Por João Pedro Almeida, @tdsobreocalcio
Talvez este jogo seja a definição exata de "jogo histórico". Os ingredientes são os necessários para tais jogos: virada histórica, heróis, vilões, pênaltis... enfim, é um jogo que está marcado na memória de muitos. Outro fator fala por si só: a peleja era uma final de UEFA Champions League.
Antes de a partida começar, o favoritismo era milanista. Os rossoneri tinham terminado a fase de grupos em primeiro em uma chave que ainda contava com o todo poderoso Barcelona. Além do mais, o time havia eliminado a Inter e o Manchester United antes de chegar à final.
O caminho do Liverpool também fora tortuoso na fase de mata-mata. Porém, os Reds tinham terminado em segundo em seu grupo, atrás do Monaco. Todavia, foram os responsáveis pela eliminação Bayer Leverkusen, Juventus e Chelsea.
Além disso, a história estava a favor dos italianos, que chegariam à sua décima final naquele dia. Os ingleses disputariam sua sexta final, sendo que não chegavam a uma desde1985.
O ano era 2005 e o palco era o Ataturk Olympic Stadium, em Istanbul, na Turquia. Ambos os times entravam em campo sabendo do favoritismo dos milaneses, mas também sabendo que o campo neutro e o jogo único deixavam tudo mais emocionante e indefinido.
Porém, ao irem para o jogo, eles descobriram que o favoritismo poderia ser peça-chave no título. Em um 4-4-2, os italianos, comandados por Carlo Ancelotti, enfrentavam os ingleses de Rafa Benítez, que se encontravam em um 4-4-1-1. Grande parte do mundo apostava no Milan, mas imaginavam que tudo seria como foi. Isso porque bastou menos do que UM minuto para que o time abrisse o placar.
Ao marcar o gol, o lendário zagueiro Paolo Maldini, conseguiu bater dois recordes de uma vez: o de gol mais rápido de uma final de UEFA Champions League e o de jogador mais velho a marcar em uma final. Com isso, todos esperavam a confirmação do favoritismo e uma goleada milanista.
Todavia, o Liverpool resolveu ir para cima. Passou boa parte da primeira etapa pressionando e tomando pressão. O jogo estava "lá e cá" e qualquer um dos dois times podia vir a marcar. Mesmo com a estrela do goleiro polonês Dudek, arqueiro do time inglês, quem conseguiu fazer o gol foi o Milan, com Hernán Crespo.
Aliás, o ataque dos italianos era formado por dois jogadores que atualmente são lendas atuantes do futebol europeu e mundial: Hernán Crespo e Andriy Shevchenko. Além destes, Jaap Stam, Dida e Cafú eram outros lendários jogadores presentes naquela decisão.
Com a vantagem ampliada, tudo levava a crer que o time se fecharia para o resto do jogo. Porém, aos 44, cinco minutos depois do segundo, o Milan marcou seu terceiro gol e pareceu ter "liquidado a fatura" antes mesmo de a primeira etapa acabar.
Com o fim desta, o pensamento de Ancelotti e seus comandados devia ser este mesmo. Porém, Benítez não tinha a mesma opinião a respeito da partida, já que seu time voltou a campo determinado a buscar a vitória. Foi para cima com tudo, enquanto via seu adversário com o pensamento de que o título já havia sido ganho. O treinador espanhol do time inglês mudou a formação para deixar o time mais ofensivo. Hamann entrou na vaga do lateral Finnan e fez com que o time passasse para 3-4-3, na tentativa de pressionar a outra equipe.
E bastaram onze minutos de pressão para que o primeiro gol do time saísse. E quem melhor para iniciar uma reação que o capitão Steven Gerrard? Ele completou cruzamento de Riise para embalar o time rumo ao empate ou até à virada.
Apesar da confiança, nem o torcedor mais otimista do Liverpool esperava o que viria a acontecer. Nem o milanista mais pessimista do mundo. Foram necessário apenas mais dois minutos para que o tcheco Smicer, que entrara na vaga de Kewell ainda no primeiro tempo, deixasse a vantagem do Milan menor ainda.
Foi aí que o sinal de alerta foi ligado. O que já era um jogo definido se transformara em um drama em pouquíssimos minutos. O mesmo time que havia ido com uma enorme vantagem para o intervalo, desfrutava da menor vantagem possível e levava uma pressão enorme. Tudo podia acontecer.
E o que era um medo se transformou em realidade para o torcedor do Milan quando Gattuso derrubou Gerrard dentro da área e o árbitro marcou pênalti. Apesar de tudo, o time italiano tinha Dida no gol e o brasileiro não deixou a desejar. Espalmou a cobrança de Xabi Alonso, o que aliviou os milanistas, até o espanhol marcar no rebote da cobrança.
Agora era concreto. O jogo que estava na mão fora perdido em apenas seis minutos. O "Milagre de Istanbul" estava cada vez mais próximo da concretização.
Empolgado com o "milagre", o Liverpool seguiu em cima, quando o Milan acordou. Ambos os times foram para a "trocação franca". Novamente, tudo podia acontecer, já que as duas equipes iam para o ataque. O time italiano teve diversas chances, muito mais que o inglês. Kaká, Staam e Shevchenko desperdiçaram chances que poderiam levar o título a Milão.
Conformados com a prorrogação, os times colocaram jogadores descansados. Crespo, Seedorf e Baros deram lugar a jogadores mais descansados, mas que não interferiram muito no andamento da partida.
Foram algumas boas chances no tempo extra, que garantiram uma boa dose de emoção à partida. Porém, o sentimento era de que o Milan, abalado emocionalmente, queria a disputa por pênaltis, afinal, Dida era um dos melhores do mundo na época, enquanto Dudek era um goleiro sem muito brilho. Além do mais, os rossoneri sentiam que se fossem para cima, a chance de tomarem um gol e, consequentemente, uma virada heroica eram maiores que as de finalizarem a partida naquele período.
Sem gols nos trinta minutos que sucederam o tempo normal, a decisão por pênaltis chegou. Com Dida debaixo das traves, o Milan era favorito, mas contava com o cansaço físico e o psicológico contra. E isso ficou claro quando Serginho foi para a primeira cobrança e desperdiçou.
A partir daquele momento, tudo começou a conspirar contra o Milan. Principalmente com Hamann convertendo e (pasmem!) Pirlo desperdiçando sua cobrança. Aí o mundo caiu para o Milan. Um pingo de esperança veio após Tommasson marcar e ver Riise perder. Depois disso, Kaká também marcou, assim como Smicer.
Era preciso que Shevchenko marcasse e o Liverpool perdesse sua última cobrança. Mas nem foi preciso conferir a competência do último cobrador, porque o ucraniano perdeu, jogou todo o sonho milanista por água abaixo e concretizou de vez "O Milagre de Istanbul", um dos jogos mais épicos da história do futebol europeu.
